“Mas cadê tempo e disposição, se o tumulto bate à nossa porta, os desastres se acumulam – a crise e as crises, pouca trégua e nenhuma misericórdia. Angustias da nossa contraditória cultura: nunca cozinhar foi tão chique, nunca houve tantas delicias, mas comer é proibido, pois engorda ou aumenta o colesterol. Nunca se falou tanto em sexo, mas estamos desinteressados, exaustos demais, com medo de doenças. O jeito seria parar e refletir, reformular algumas coisas, deletar outras – criar novas, também. Mas, nessa corrida, parar para pensar é um luxo, um susto, uma excentricidade, quando devia ser coisa cotidiana como o café e o pão,. Para alguns, a maioria talvez, refletir dá melancolia, ficar quieto é como estar doente, e incomodo, é chato: “Parar para pensar? Nem pensar”. Se fizer isso eu desmorono”. Para que questionar a desordem e os males todos, para que sair da rotina e querer descobrir um sentido para a vida. Até mesmo curtir o belo e o bom, que talvez existam? Pois, se for ilusão, a gente perdeu um precioso tempo com essa bobajada, e aí o ônibus passou, o bar fechou, a festa acabou, a mulher fugiu, o marido se matou, o filho... nem falar.”
Lya Luft
Trecho - Revista Veja 1º Julho 2009 pg. 26